Por Carlos Chagas
Mal completados vinte anos, chegou a Paris François Marie Arouet, que ainda não se assinava Voltaire. Logo escandalizava a capital francesa com acres comentários a respeito dos costumes e da política. Naqueles idos, a França era governada por um Regente, Felipe D`Orleans, tendo
em vista a morte de Luis XIV e o fato de que Luis XV, seu bisneto, era
ainda uma criança. Cioso das dificuldades que envolviam o tesouro real, o
Regente determinou que fosse posta em leilão metade das cavalariças a seu serviço, quase mil cavalos. O irreverente jovem escreveu que melhor faria o governante se tivesse dispensado não a metade, mas a totalidade dos jumentos que povoavam a corte.
Pouco
depois, passeando no Bois de Boulogne, o Regente defrontou-se com o
detrator e foi sutil: "Monsieur Arouet, vou proporcionar-lhe uma visão
de Paris que o senhor jamais imaginou pudesse existir." E despachou
Voltaire para uma cela na Bastilha, onde ele ficou por nove meses.
Depois, arrependido, o Regente mandou soltá-lo e, como compensação,
deu-lhe uma pensão vitalícia. Por carta, o jovem agradeceu porque sua
alimentação estaria garantida até o fim da vida, mas disse ao Regente
que não mais se preocupasse com sua hospedagem, que ele mesmo proveria. Perdeu a pensão e teve de exilar-se na Inglaterra, para não voltar à Bastilha.
Conta-se
essa história não apenas em homenagem ao extraordinário Voltaire, que
viveu até quase os noventa anos polemizando e batendo de frente com o poder e os poderosos, mas porque, na política brasileira, através da História, sempre encontramos seus discípulos. Falamos daqueles que não se curvam nem perdem oportunidade para opor-se aos detentores do poder, mesmo às custas da própria tranquilidade e bem-estar.
Seria perigoso começar a citá-los, sob o risco de graves esquecimentos, mas do padre Antônio Vieira a Evaristo da Veiga, nos primórdios da nação, até o Barão de Itararé, Carlos Mariguela, Luis Carlos Prestes, Gregório Bezerra, Agildo Barata, João Amazonas e mesmo Carlos Lacerda e Leonel Brizola, nos tempos modernos, algum
erudito poderia dedicar-se à sua exegese. Seria excepcional
contribuição apontar quantos se insurgiram contra a prepotência, cada um
à sua maneira, tanto faz se pelo humor, pela agressividade, a veemência
e até a violência.
Todo esse preâmbulo se faz para uma conclusão: no Brasil de hoje desapareceram quase por completo os Voltaires caboclos. Usando uma lupa, pode-se citar os irmãos Millor e Hélio Fernandes. Porque
instalou-se no país uma pasmaceira, de alguns anos para cá, a ponto de
transformar até mesmo os líderes do PT em dóceis beneficiários de pensões
concedidas pelo Regente. Não se encontra quem se insurja, ainda que
através do humor, contra a verdade absoluta da globalização e do neoliberalismo que assolam o país e o planeta, transformando o cidadão comum em mero apêndice dos ditames das elites. Substituíram a liberdade pela competição. O trabalho pela prevalência do capital. O livre arbítrio pela acomodação. A independência pela submissão.
Convenhamos, tanto faz se o Regente tenha vindo da realeza ou dos porões. Desde que ele se acomode e dite as regras dessa nova escravidão, todos o reverenciam. Uns por interesse, outros por falta de coragem. Voltaire faz falta, como inspiração.
Pois sim caro César,
ResponderExcluir"Que é então o perseguidor? É aquele cujo orgulho ferido e o fanatismo em furor irritam o príncipe ou magistrados contra homens inocentes, cujo único crime consiste em não serem da mesma opinião." - Voltaire
Brindemos a isso:
"É perigoso estar certo quando o governo está errado." - Voltaire
Arthur da Távola
Realmente Voltaire faz muita falta. Pena, para você, que este discordaria de todo o seu pensamento de "igualdade" à ponta de fuzil, limitada pela ética coletiva. Voltaire preferia mais o modelo "neoliberal" - Neo é aquele cara do Matrix? - e globalizante, modelo que tirou tantas pessoas da pobreza dando-lhes nova riqueza - em vez das políticas preferidas pelos amantes da igualdade forçada, que tirou tanta gente da pobreza jogando-as para uma vala.
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